Queridos novos colegas,
Sejam bem-vindos. Vocês podem estar se
sentindo um pouco rejeitados, mas nem todos os jornalistas estão
aborrecidos com a notícia de que teremos novos colegas de trabalho
agora. As reações mais violentas, acreditem, escondem amores obtusos,
paixões desmesuradas e, quem sabe, até uma ponta de inveja. Estou
particularmente feliz com a chegada de vocês ao nosso mercado
profissional. Já era hora de nos encontrarmos com novas pessoas, novas
ideias e novas abordagens em nosso dia-a-dia. Tanto barulho, não se
iludam, não significa nada relevante. É apenas barulho e passa. A vida
de jornalista, acreditem, não tem o glamour dos filmes e nem nós, o
charme de um Clark Kent. Aliás, nem super-homens somos e com tanto
trabalho em frente - não falta notícia no mundo, vocês verão - já era
tempo de recebermos uma ajuda nesta difícil missão de informar nossos
públicos sobre o que se passa além do portão de seu jardim.
Esta
carta de boas vindas é sincera e espero que seja útil agora e no
futuro. Quando chegarem às redações e assessorias de imprensa,
certamente alguém tratará de menosprezá-los, porque, dirão, vocês não
têm diploma. Isso não os faz menos jornalistas, porque nada relevante
pode ser mudado apenas com um pedaço de papel. Vocês podem lhes
responder, ou não. A melhor maneira de oferecer uma resposta a eles é
praticando algo que muitos de nós não conseguimos: competência, ética,
frescor e novas ideias. A profissão de jornalista é muito chata.
Engana-se quem pensa serem as redações ambientes de reflexão, de
engajamento e de sinceros desejos de mudança. São lugares cheios da
poeira simbólica da imobilidade e do conformismo. Será uma boa
oportunidade para vocês mostrarem a nós, jornalistas com diploma, que
estivemos absolutamente equivocados nesse tempo todo e que há outras e
melhores maneiras de exercer a nossa profissão.
Desconfiem sempre
de tudo. Desconfiem se alguém lhes disser que a verdade é uma só. A
verdade, caros colegas, são muitas. Há a verdade da vítima e a do
assassino, há a verdade do político e do eleitor, há a verdade do patrão
e do empregado. Vocês não têm que escolher uma delas, apenas dar espaço
a todas. Se alguém disser que vai lhes ensinar a exercer a profissão -
afinal, vocês são focas em nosso ofício - recusem. Recusem com elegância
e digam ao seu interlocutor que é ele que pode aprender com vocês.
Chegará
a hora que perguntarão se vocês podem fazer serão. Digam não. Se podem
cobrir o final de semana do aniversário de sua filha ou de sua mãe,
digam não. Se vocês podem retornar das férias porque o Papa morreu.
Digam não. Até hoje, dissemos sim a tudo isso porque somos idiotas.
Vocês, não. Vocês pertencem a um mundo real em que o Papa é menos
importante que uma garrafa de cerveja gelada em Fortaleza ou que a
esplêndida vista panorâmica de Londres que se tem a partir do Greenwich
Park aos domingos. Ensinem para nós e para nossos patrões que a
cobertura do jogo de futebol do São Paulo é menos importante que o
aniversário de dois anos de sua filha, a não ser que você seja
são-paulino e sua filha também.
Confesso, a coisa mais
importante que me aconteceu durante os quatro anos de faculdade não
foram as aulas de jornalismo que tive. Foram as pessoas que eu conheci e
o que elas puderam me ensinar, fossem ou não professores. Aproveitei
muito as aulas porque prestava atenção aos meus mestres e meus colegas.
Eu sou professor de Jornalismo em uma faculdade e vejo, com freqüência,
muitos jovens estudantes saírem do curso superior pior do que entraram.
Quando chegavam à faculdade, diziam que desejavam ser jornalistas porque
a profissão os encantava, porque gostavam de escrever e aspiravam por
um mundo melhor. Quando saíam, falam apenas em salário, em fama e em
emprego. Quatro anos de faculdade podem transformar as pessoas. Em
muitos casos, para pior.
Com ou sem faculdade, algo é muito
importante: aprender. Aprendam com suas fontes, aprendam na rua,
aprendam com seus vizinhos, aprendam com os grandes mestres - Joel
Silveira, Gay Talese, João do Rio, Nelson Rodrigues, Cartier-Bresson e
tantos outros. O "Fama e anonimato" tem mais lições que 400 anos de
faculdade. Quando vocês tiverem dúvidas, ouvirão duas vozes. Preste
atenção àquela que fala mais baixo. Pode ser um mestre falando com
vocês.
Há três coisas que não podem ter, nunca: pressa, opinião e
preferências. Tirem essas palavras de seu dicionário, elas não
importam. Não se sintam ameaçados se alguém publicar a informação antes
de você. Sua responsabilidade deve ser publicar melhor que ele. Seus
patrões não vão concordar com você, mas tente convencê-los. O mundo está
muito apressado, as pessoas estão correndo demais e ninguém sabe
exatamente para onde. Sua função é diminuir o ritmo, puxar o freio de
mão do planeta e fazer com que prestem atenção àquilo que ninguém vê.
Outra
coisa: vocês não têm mais partido político, preferência sexual, time de
futebol ou religião preferidos. Na frente da urna, na sua cama, na sua
casa ou na igreja, sim. Esses são os únicos lugares em que vocês devem
manifestar aquilo que pensam. Para seus leitores, telespectadores ou
ouvintes, isso não importa. A única coisa que importa é a honestidade
com os fatos. Não tentem empurrar a ninguém suas leituras particulares
do mundo. O mundo é muito grande e suas leituras, muito pequenas dentre
as bilhões de outras interpretações possíveis.
A partir do
momento em que se tornarem jornalistas, vocês assumem um compromisso
real com seus leitores, telespectadores ou ouvintes. Vocês não devem ter
obrigação com seus patrões, com suas fontes ou com seus colegas, mas um
contrato apenas com seus públicos.
Esqueçam essa besteira de
diploma. Sentem-se aqui, ao nosso lado, e nos ajudem a recuperar aquilo
que há tempos perdemos: o essencial.
Cannes, 26 de junho de 2009.
Rodrigo
Fonte: PortalImprensa
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